quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Quem sou eu?

Eu não tenho medo de que todas as fronteiras que impedem ou limitam meu ir e vir deixem de existir um dia. Eu não temo o dia em que não haverá mais a pluralidade de Estados; tampouco o dia em que não haverá mais governos pretenciosos e arrogantes que teimarão em se sobrepor pela força ou pela influência, a outros governos. Eu não temo o dia em que a pluralidade das línguas que hoje dificultam o entendimento entre os seres-humanos deixem completamente de existir. Eu aguardo ansioso o dia em que todos falaremos uma mesma língua e, sinceramente, não me importa qual seja esta. Desde que seja a língua em que todos os livros serão escritos e, portanto, lidos e entendidos por todos - visto que as nuances culturais particulares não mais existirão como uma dificuldade natural. Talvez o avanço da Genética proporcione a todos um padrão físico similar, onde diferenças de altura, peso, cor dos olhos, pele e cabelo não sejam mais obstáculos para os relacionamentos que ainda os consideram essenciais; e todas as doenças herdadas genéticamente sejam extirpadas definitivamente da raça humana, proporcionando a todos uma saúde atualmente ainda idealizada. Com o desaparecimento das diferenças gritantes entre os seres, desaparecem também inúmeras causas de desavença. Presumo que outras surgirão, mas até lá, quem sabe, a Genética não terá encontrado uma forma de anular a propensão à violência que caracteriza uma gama siginificante de individuos contemporâneos. Não sei se esta seria a forma correta de evitar os crimes e abusos absurdos que esta característica favorece, embora acredite que o fim justificam os meios. Nesse caso: a convivência pacífica entre os seres numa sociedade. Acredito que com uma maior oferta de oportunidades e, consequentemente, distribuição de renda, esse processo será espontâneo. Toda forma de interferência genética em nosso corpo corrobora com a suspeita disseminada nas melhores novelas de ficção-cientifica, onde uma mente maléfica nos transmuda segundo planos diabólicos de domínio absoluto de nossa vontade. Se isso for verdade, isto é, de que isso é realmente possível e que isso nos ofende, então estamos absurdamente atrasados quanto à indignação perante o fato de que nossa vontade há muito não nos pertence. Como assim? Há muito que nossos destinos, nossos gostos, nossos desejos, nossos limites, são determinados por um consenso padronizado. Há muito que nós não somos mais nós mesmos. Há muito que perdemos o vínculo com nossa identidade natural. Em seu lugar adotamos outra ou outras, afinal, quando pensamos sobre nós, inquirimos sobre nossa ocupação profissional, o lugar em que vivemos, nossos genitores; nossa língua; os costumes adotados pela sociedade/grupo ao qual pertencemos. E tudo isso e muito mais determina quem somos. Posso então afirmar, a partir dessas inferências, que eu sou um produto do meio. Logo, esse produto passa longe de minha real natureza, de meus verdadeiros anseios como indivíduo pertencente a uma raça com uma longa trajetória evolutiva. Esse homem social padronizado que não é mais senhor de sua própria vontade, que não se reconhece mais como produto dessa linha evolutiva e sim como produto de um meio artificial e temporário, não se reconhece mais como possuidor de uma identidade autêntica. Pobre homem que agora não possui mais nada de concreto em seu Ser que justifique uma relutância em aceitar a padronização definitiva de todos os seres-humanos. Ao homem contemporâneo só resta aceitar que é parte desse processo; que a culpa por esse processo irreversível não é inteiramente sua; que ninguém espera que tente pelo menos revertê-lo, afinal, o resultado dessa loucura seria pior que a consolidação mesma desse processo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O que será de nós?

Chove demais na cidade. Quando o sol insiste, torna-se tórrido. O suor escorre pelo meu corpo. Minha respiração torna-se ofegante em pequenas distâncias percorridas sem muito afoito. Respiro, pois tenho que viver, mas esse ar é cálido como o hálito de um demônio; como o vapor de um vulcão. Será que sobreviverei às transformações pelas quais minha querida Terra passa? Será que ela me considerará digno de morar em sua nova superfície? Eu, justamente eu, que quando atentei contra ela - ou contra suas criaturas (vegetais, minerais, orgânicas) - não o fiz por maldade, e sim por ignorância, inocência. Será que a mãe Terra é capaz de perdoar meus erros. Será capaz de me perdoar por todos os pernilongos, baratas, aranhas e ratos que matei? Será capaz de me perdoar se ainda continuar dizimando-os todas as vezes que me perturbam; toda vez que se tornam inconvenientes? A verdade é que nem todos os que respiram e se locomovem por sobre esta superfície será digno de habitá-la quando ela mudar toda sua roupagem. Qual a nossa culpa nessa mudança? refiro-me à nossa culpa particular e não àquela que atribuímos aos governos. Sei que delegamos responsabilidades aos governos quando aceitamos sua existência, mas esperar que eles limpem nossa sujeira particular é demais; esperar que eles assumam responsabilidades por nossos atos é arrogância; no mínimo, insensatez. Somos todos adultos e percisamos reconhecer nossas responsabilidades com relação à nossa querida mãe Terra que não deixava, até então, nada faltar para a nossa sobrevivência. Ela facilitou e nós lhe ferimos o ventre com faca afiada; ela sangrou e para não perecer necessita urgentemente reparar o ferimento, e o fará. Nesse ato ela, tal qual fera ferida, não exitará em sacudir de seu dorso seu cruel e ingrato agressor. Se Deus existisse rogaria a ele clemência? Não, não o faria. Seria uma demonstração de falha em meu caráter. Se o fizesse num gesto de desespero, não teria, posteriormente, como fitar meu semblante num espelho; não conseguiria acomodar minha consciência num travesseiro - mesmo este sendo feito de penas de ganso. Tenho minha parcela de culpa, não nego, e como também não acredito em divindades que poderiam amenizar essa culpa ou reverter com um milagre todo o estrago causado, só me resta assumir que meus atos impensados contribuem e muito para a deterioração deste planeta que habito. Só assumir a responsabilidade não contribui para amenizar o quadro crítico em que o planeta se encontra. A solução correta exige uma atitude radical. Não sei se eu mesmo estou disposto a me privar de certos confortos para o bem do planeta, mesmo que esteja implícito nesse conceito, o meu próprio bem. Como então exigir que o outro - meu semelhante -, faça por mim o que reluto em fazer por ele? Considerando-se que este é o pensamento predominante entre nós, só nos resta aguardar o momento em que as condições do planeta se tornem impróprias para uma vida saudável, tal como experimentaram nossos antepassados pré-históricos, quando a água era límpida e o ar respirável. Essa foi nossa herança das gerações passadas. Nosso legado às gerações futuras será um planeta desolado, destituído de sua beleza, infértil, impróprio à sobrevivência. Bem, talvez as baratas, ratos e pernilongos que eu não conseguir matar possam viver nestas condições.